Foi numa tarde de verão que ele apareceu ali na oficina de marcenaria de meu pai. A oficina ficava ao lado de nossa casa. Na época, uma casa pequena, simples, porém muito aconchegante construída por meu pai ao fundo do terreno que havia comprado. Queria se casar, constituir família e levar a minha mãe para nela viver, em Raposos, cidade onde cresci e passei boa parte de minha infância.
Seu nome era muito diferente e sugestivo: Panoka. Eu, com meus quatro anos de idade, muito serelepe e curiosa, logo puxava conversa com todos que chegavam para contratar algum serviço do meu pai. Ele queria alguns cavaletes para adaptar as suas telas. Era um tremendo artista aquele homem. Alto, com a coluna meio esguia, cabelo assanhado, meio anelado, meio despenteado, cor de fogo, olhos claros e uma mão enorme e suja de tinta.
Lembro-me que a primeira coisa que o perguntei foi se ele gostava muito de comer pão e por isso sua mãe lhe dera aquele nome, Panoka. Ele deu boas risadas e me contou que Panoka era seu nome artístico com o qual assinava suas obras.
Seu verdadeiro nome era muito grande e às vezes não se adequava bem no cantinho de suas telas. Fiquei ainda mais curiosa e, lógico, quis saber de imediato qual era o seu verdadeiro nome.
Ele me disse, de boca cheia e lentamente, Epaminondas! O que me soou como um personagem de uma história de aventuras de um grande coronel dono de muitas terras, de bigode, chapéu e botas de couro.
Essa nossa amizade logo se consumou. E como ele era irmão de uma vizinha muito querida, passou a frequentar mais vezes a oficina de meu pai porque sempre o encomendava algum tipo de artefato para auxiliar e melhorar a sua performance como pintor.
Um dia ele levou uma tela em branco, fixada em um dos cavaletes, vários pincéis e muitos potinhos de tintas de várias cores. Epaminondas disse: - Pequena Valéria, vou pintar uma tela para você!
Começou a fazer um leve esboço que, para mim, não era nada mais nada menos que um emaranhado de rabiscos e logo um borrão de tintas misturadas.
Enquanto meu pai seguia trabalhando em sua serra elétrica, plaina, torno e formões, serragem e barulho se misturavam à magia de uma paisagem ainda incompreensível despontando-se daqueles pincéis na ponta do dedo da inspiração.
Foram dias em que a minha curiosidade ficou atenta em todos os detalhes e aprendi, a partir daí, a entender e apreciar a arte nascer das entranhas do artista. Aquelas árvores, as duas cabanas à beira de um rio, um cenário que me remete à nostalgia de um tempo bom.
A obra, enfim, ficou pronta. Ele carinhosamente a dedicou a mim. Pintou a data, o meu nome e logo abaixo assinou: Panoka.
Nunca consegui me desvencilhar desse quadro. Ele diz muito mais que a paisagem pode retratar. Vai além do que a razão possa explicar.
Ali ficou também registrado a presença viva do artista que já não se encontra mais nesse mundo. A arte sempre vivifica e perpetua o ser humano.
Um recorte de minha história congelada na tela, precisamente uma cena marcante de meus quatro anos de idade.
20 de março de 2022