Valéria Gurgel
A vida corpórea, seja ela estagiada em um vegetal, animal ou no animal racional, designado humano, é o bem mais precioso que possa existir. Merece uma idealização consciente do valor da existência, antes mesmo de eclodir o divino sopro vibracional que vivifica o planeta.
Entre a semente transformada em alimento, o inseto que poliniza a flor, as amebas e demais seres invertebrados, os mamíferos em sua hierarquia evolutiva, aí também se encontra a humanidade dos dias atuais, em meio a uma cadeia produtiva.
Lamentavelmente mais destruímos que construímos, mais consumimos que produzimos. Essa conta não fecha e seguimos arrastando esse déficit com a natureza que jamais nos negou o empréstimo de seus bens. Mas, o juro está se tornando alto e quem pagará caro por ele serão as nossas gerações futuras. Isso, se houver futuro, se houver gerações. Se esse futuro nos for generoso, as cotas dos bens naturais andam escassas.
Seria a vida ideal uma utopia? Ou um mero sonho de vanguarda, onde alguns poucos conseguem se despertar somente quando já estão entrando no processo final da vida corpórea?
A vida ideal seria então uma breve junção dessa percepção com a maturidade?
Uma idealidade (ideal mais idade) de vida que vive décadas. Alguns poucos, um século, mesmo assim, muitos completamente perdidos, sem ao menos descobrir afinal, o que vieram fazer aqui! Seria justo desperdiçar uma vida sublime e sacralizada, projetada, desenhada, criada com exclusividade pelo arquiteto divino, simplesmente para alimentar a voz do ego?
Cumprimos inúmeros protocolos sociais no decorrer da vida em família, em sociedade, na escola, no trabalho, nas congregações religiosas e sempre, lutando para entender e discernir o que é certo do que é errado, o que bom, do que é ruim, o que é feio do que é bonito, o que é gostoso do que é horrível, o que é aceito e o que é proibido, segundo os conceitos impostos por alguns. Afinal quem criou essas normas? Esse padrão de falsa medida, em que a vida ideal se perde nos parâmetros desse ego insuflado por razões analfabetas de cada mortal, seria isso o modelo?
Uma vida ideal só se tornaria realidade no momento em que despertássemos a plena consciência e entendêssemos que tudo o que pensamos, falamos ou fazemos altera a estrutura do todo. Todas essas ações independem de estarmos sendo vistos ou não, escutados ou não, emitimos vibrações. Elas são captadas pelo cosmo, essa inesgotável fonte, geradora da mesma energia que anima a essência da vida. Sendo provindos de uma mesma fonte geradora de energia, agir tentando corromper essa fonte é remar contra nossa própria maré, é querer interromper ou danificar a transmissão da corrente elétrica que ilumina a nossa própria casa.
Tal qual uma onda, essa energia, é devolvida para nós mesmos, na mesma intensidade e na frequência da qual a enviamos ao universo.
Somos todos envolvidos nessa espiral energética onde o ciclo se fecha e se abre repetindo processos iguais. A responsabilidade do caos e sofrimento planetário, em tudo o que é vivo no cosmo, é completamente nossa. No fim desse processo chamado de breve estágio terreno, voltamos à fonte geradora de luz, e nos tornamos uno.
Esse é o redemoinho que pulsa, da fonte propulsora da vida. O mesmo grotão que borbulha na nascente da água pura e cristalina. Se não cuidarmos dela, em sua pura essência, ela se contaminará no curso do rio.
As águas que percorrem o curso do rio da vida não são retilíneas, assim como as ondas energéticas que se propagam no ar. Isso prova que a vida é movimento. E estar inserido nela requer sermos maleáveis e atentos às oscilações do pêndulo, às impurezas das encostas, dos lixos inconscientes. Dos conselhos pútridos de esgoto, dos desmoronamentos das encostas de problemas causados quantas vezes por irresponsabilidades de nós mesmos. Sem falar da exploração sem medida e dos rejeitos contaminados e mortíferos de nossos sentimentos doentios, que são atirados nesse rio e o ingerimos sem perceber.
São inúmeros os percalços e os desvios que a água se submete nas curvas desse rio caudaloso, misterioso, que segue em busca desse mar. O mar da perfeição exata. Dos mistérios das profundezas desse oceano de possibilidades para a evolução. Alfabetizarmos essa percepção da vida, é aprender a ler os códigos universais. É o ponto X do equilíbrio para concretizarmos a travessia, na corda bamba da vida, sem rede de proteção.
Quando, num dado momento, o equilíbrio possa centralizar o pêndulo moral da harmonia e da paz.
Nos tornamos humanos e dignos da tão almejada vida ideal, quando somos capazes de ser plenos, verdadeiros e sinceros. Responsáveis por nossa própria conduta e papel exemplificado no mundo. Indiferente de sermos pegos em flagrante, de leis impostas, de ameaças, de penas ou multas para reparar ou penalizar a nós mesmos, se infratores formos.
O Mito do Anel de Giges, de Platão, em A República, nos demonstra com clareza o que é a vida ideal, e quando e como ela pode ser comprovada. Nesse livro, Glauco, o personagem desse diálogo filosófico e pertinente, discorda de Sócrates e afirma que justiça e virtude não são de fato desejáveis estar em si mesmas. Mais importante é aparentar ser justo e bondoso, sem ser necessário o ser de fato.
Se retirar a punição, o justo e o injusto passam a viver da mesma forma!
Seríamos então, nós, esses pobres mortais, de egos inflados, dignos de uma vida ideal, de cuidarmos dessa essência maior, dessa fonte geradora de água cristalina, a pura energia viva, sendo donos do anel de Giges?
A vida ideal para mim, ainda continua buscando, questionando essa minha essência. A filosofia vem ajudando-me a me perder e me reencontrar a cada dia. Esse breve despertar, já é um passo consciente.