Valéria Gurgel
A foto era nostálgica por demais para pensar sequer na possibilidade da noticia ser falsa! Porém, além daquela imagem, estava escrito ali, bem na primeira página do jornal A GAZETA LOCAL com letras graúdas:
NAMORADO FALECIDO ENVIA SUA BIKE DE PRESENTE PARA SUA AMADA
Sim, diante da prova explícita estacionada bem em baixo da janela, local onde os primeiros suspiros apaixonados e lábios sussurrados de desejos cálidos se deram, impossível duvidar. Uma imagem fala mais que mil palavras! Era um fato. Diante um fato comprovado, não há nada a declarar, nem contestar. Será?
Não demorou e começou aquele zum…zum…zum e a notícia se espalhou de boca em boca pela vizinhança.
Ninguém tinha o mínimo de encorajamento lógico de bater à porta para perguntar ou de sequer ter a lucidez para refletir, pensar em outra possibilidade menos bizarra. Conferir se era a mesma bicicleta, chamar a polícia, ou passar na rua em frente a casa de Duda.
Assustados, os moradores do bairro inteiro fecharam as janelas de suas casas.
A sinistra notícia logo viralizou e foi parar nas redes sociais. Uma onda nebulosa coberta de interrogações correu mundo em fração de segundos. Não se falava de outra coisa e a foto com a matéria sendo compartilhada ininterruptamente.
Todos sabiam da paixão de José Antônio, o falecido, por aquela bicicleta antiga, que passava de geração em geração e que terminou herdada de seu tio. Ela guardava reminiscências de mais de um século. E quem daquela cidade não havia visto ele pedalando pelas ruas estreitas e praças com Duda, de vestido rodado, flor no cabelo, sentada de lado na sua garupa?
- Verdade?
- Mentira!
- Fato!
- Fake?
- Verdade!
- Mentira?
- Fato?
- Fake!
Povo dividido. Discussões, insultos, escárnios, controvérsias, apostas, chacotas, vizinhos, famílias inteiras se tornaram inimigos por uma bobagem daquela.
A casa de Duda permanecia fechada. A bicicleta estacionada a frente de sua janela.
Quinze dias depois, a jovem apareceu. Havia viajado para a casa dos avós para espairecer os ais.
A famosa bicicleta, motivos de tantos assuntos controversos já não se encontrava mais ali. E a jovem só não conseguia entender como um simples fato pode tomar aquela proporção nacional, internacional.
A explicação era simples.
O irmão do falecido José Antônio emprestou a bicicleta para o primo dele, que necessitava um veículo para chegar até a casa de Duda e por ali se instalar. Havia sido contratado por ela para ficar na casa enquanto se ausentou, cuidando de seu imóvel, de seus gatos e de seu jardim.