Valéria Gurgel
"Ficção, Romance, Emoção, Aventura e suspense"
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Textos

Tempos de esperas

Valéria Gurgel

Sempre há em nós aquela, aquelas velhas frases nas quais fomos gerados, ouvindo. Nascemos e seguimos ouvindo da boca da mãe, do pai, dos avós de toda a família, dos vizinhos, dos colegas, dos pais de nossos colegas e aquilo parece um mantra e gruda na gente feito visgo. É algo cultural tão arraigado em nossa sociedade onde estamos inseridos que as pessoas não pensam sobre, e como papagaios seguem repetindo aquilo que ouviu.

 

Dormimos e acordamos com o eco das tais frases que insistem em reverberar em nossa mente. São os famosos ditos populares. Sim, eles têm muita sabedoria enraizada e muito a nos ensinar, porém, chega um dado momento que começamos a perceber que eles também têm um poder de costurar nossas vidas, nossos pensamentos. São como amarras de nossa coragem, determinação, poder de ação e vão, gradativamente, moldando nosso caráter, nossa personalidade e nossos sentidos.

 

 Aceitamos tudo isso, talvez, pela necessidade de pertencimento em nosso clã. Quando nos damos conta disso já nos encontramos atados com nós cegos e parece quase impossível desatá-los, descosturá-los.

“Quem espera sempre alcança”. Será?

 

Essa foi a tal frase costurada que remendou os retalhos de meus sonhos enormes, de meus projetos arquitetônicos que dormiam e acordavam comigo em baixo de meu travesseiro para ninguém conseguir roubá-los de mim. E como deles jamais me separei, também tive que crescer ouvindo inúmeras vezes pessoas dizendo para minha mãe: - Terezinha, leve sua filha ao médico, ela não é normal. É muito sonhadora, ansiosa, agitada, inquieta. Quer tudo pra já e de uma vez. Ela fala demais, fala alto, canta a todo momento, pergunta demais, contesta você em tudo, te afronta, dá muitas risadas sem razões aparentes, isso não é normal, dê limites enquanto é tempo, se não essa menina vai te dar muito trabalho quando crescer. Pode ser que tenham um remedinho para acalmá-la!

Como assim?

 

O sistema gosta dos remedinhos paliativos. Nunca buscam a origem dos fatos, dos problemas humanos, dos anseios, isso dá trabalho. É mais fácil reproduzir robôs! Que não falam, não pensam, não questionam, não reclamam. Programados para dizer sim!  Aceitam tudo assim como lhes foi apresentado, oferecido. Não criam, só copiam e reproduzem tarefas preconcebidas. Não sonham, desejar e querer realizar algo além do que está proposto é pecado, crime hediondo.

 

Nunca enxerguei as barreiras impostas que todos me apontavam. Nunca aceitei o nunca como ponto final. E entender que deveria esperar o tempo certo para se fazer algo, ou esperar que o tempo cuidasse de resolver uma situação, soava para mim como um clarim desafinado, me doía aos ouvidos.  Era mesmo um balde de água gelada em uma mente quente, como fogo ardendo em brasa.

 

Desde bem pequena sentia-me como se não pertencesse ao meu grupo familiar e social como um todo. Haviam muitas divergências de achismos.  E eu, parecia uma estrangeira, uma forasteira. Eu não queria estar inserida ali, entre alguns verdadeiros mortos que pareciam querer viver a vida, tema de uma crônica minha que escrevi já lá pelos meus quarenta anos de idade. Eu queria voar, voar… Mas era esse o meu pequeno universo onde nasci, feito de cópias grosseiras do plano superior, torturadas pelo medo, pela vergonha, pelo fanatismo, pelo conformismo.

 

Eu via sim, todos de meu entorno, como pessoas mortas. Sem ânimo, sem coragem, sem vontades, sem sonhos, sem nada! Isso sim me adoecia. Essa letargia crônica, conformista de todos que eu convivia, que me sorriam um sorrisinho amarelo e diziam entre dentes: calma menina, para que pressa? Você tem o mundo pela frente, você tem a vida toda para conquistar, você está nova ainda, quem espera sempre alcança!

Será?

 

Isso perdurou até eu começar a entrar no período do pré-adolescência e um belo dia em li outra frase num para choque de caminhão “Nunca deixe para amanhã o que se pode fazer hoje”. Isso foi como uma borracha para apagar a frase anterior.  Claro, sempre ficam as marcas, impossível removê-las definitivamente, mas é sempre possível ressignificá-las!

 

 Meu contato com a música se deu muito cedo, aos quatro anos de idade quando ganhei um pequeno piano de teclas coloridas e também comecei a escrever muito menina ainda, aos dez anos. Aí pronto, não deu mais para duvidar, sim, eu era diferente, não melhor que ninguém, mas enxergava o mundo de outra forma, em outro ângulo e via muito além do que todos que eu convivia, conseguia ver. Acredito que eu sempre estive certa, mesmo lutando contra tantas finitudes. Mesmo sem saber que de certa forma, as esperas fazem parte de nosso cotidiano.

 

Havia no meu modo de entender a vida, por detrás desses ditos populares, um disfarce, que me soava como hipocrisia de preguiçosos que não tem coragem de ir à luta de pegar e fazer acontecer, de acreditar que é possível e encarar a vida de frente. Preferem passar a vida procrastinando tudo, lamentando, acusando, dando desculpas, ou sempre justificando. Perfil de perdedores.  Buscando tantos porquês e se esquecem que muitas das vezes em nossas vidas, há muito mais para que!   E vão deixando tudo para depois. Para amanhã, para semana que vem, para mês que vem, ano que vem e assim…

 “ a vida passa, telefono e você já não me atende mais”… Outra música que ouvia tocando no rádio e catucava meus anseios.

 

Sim, lamentavelmente a vida passa! E como passa, e muito rápido! Chega um dado momento que já não queremos mais nada, já não podemos mais realizar nada e enterramos nossas frustrações. A vida é breve e “o que a gente leva dessa vida é apenas a vida que a gente leva”!

 

Mesmo sem engolir o dito, ainda sigo esperando muitas coisas que a meu ver já deveriam ter chegado para minha vida, mas, enfim… viver é bem assim, um dia de cada vez. Realizar, não realizar, conquistar, não conquistar, ganhar, perder, ter não ter, mas jamais deixar se perder do Ser.

 

As letras, as palavras sempre me incitaram desde que me entendo por gente. Entendo a literatura, e a poesia como sementes a serem parafraseadas em nosso inconsciente e quando elas, de repente ganham melodia, tocam ainda mais fundo n’alma, sendo capazes de alterar nosso estado de consciência. Isso é fato.

 

Por sorte, a minha pequena e perigosa genialidade não permitiu que me dopassem os ânimos, nem meus neurônios! Sim, fui indivíduo totalmente vulnerável e dependente, a mercê de cuidados primordiais como todo ser humano quando nasce e até um bom período da vida. E a isso sou grata aos meus pais e a todos os envolvidos para que eu pudesse crescer e andar com minhas próprias pernas.

 

Por sorte me enxerguei e me senti pessoa, bem cedo, ainda que dependente de muitos. Afinal todos dependemos mutuamente uns dos outros, a vida toda e devemos ter essa plena consciência. Mas isso não dá o direito de nos perdermos de nós mesmos e de nossos ideais, em função dos demais e de suas crenças limitantes.

Sigo essa “pessoa” tentando me construir a cada dia, amadurecer, preservando meu lado menina que não deixa de sonhar e parece não querer crescer.

 

Hoje sei que esperar às vezes é preciso, mas não demais! Na verdade, não gosto de esperar. Por isso descosturei lentamente o dito: “quem espera sempre alcança” e bordei:

- “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

 

Instagram:

@valeriacristinagurgel

  

 

 

 

 

 

Valéria Cristina Gurgel
Enviado por Valéria Cristina Gurgel em 10/01/2024
Alterado em 10/01/2024
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