(Conto de suspense)
Valéria A Gurgel
Não era nem cinco horas da manhã e o sino da capela da pacata cidadezinha do interior das Minas Gerais, já tocava intermitentemente, causando certo desconforto em padre Isidoro, que era obrigado a se levantar, com o frio da madrugada, para conferir se realmente o sino da igreja estava tocando à uma hora daquela?!
Ele acordava com o tinido estridente, dos dois velhos e pesados sinos de bronze, envelhecidos pelos quase duzentos anos de existência. Parava para ouvir e nada! Então o velho pároco, acordava o ermitão para saber se ele também havia escutado os sinos tocando. Mas ele afirmava não estar ouvindo nada. Um silêncio medonho se fazia. Logo que o padre ia se deitar e vestia novamente seu camisolão branco, suas meias e sua touca de lã, retirando os seus óculos e...
Novamente os sinos soavam e logo em seguida, paravam! Isso prevaleceu por vários dias e noites seguidas e no fim de quase um mês, um fato curioso começou também a acontecer por ali. Eis que as hóstias da sacristia e o vinho, estavam desaparecendo, causando tamanho embaraço para o padre e o ermitão que se tornaram os principais suspeitos de estar consumindo o corpo e o sangue de Nosso senhor Jesus Cristo em hora indevida, fora dos rituais da igreja.
Como não conseguiam mais dormir direito, eles bocejavam o tempo inteiro durante as missas. Todos imaginavam que estavam fazendo festinhas às escondidas nos fundos da sacristia, a altas horas da madrugada e se embebedando de vinho! Todo esse equívoco, se agravou ainda mais quando as beatas das redondezas começaram a fazer fila na porta da igreja, em plena madrugada, para não mais correrem o risco de ficar sem a comunhão, visto que as hóstias agora, nunca davam para ser repartidas com todos os fiéis na hora do ofertório. E o velho padre ficava ainda mais constrangido.
Já insatisfeito e muito intrigado com aquele mistério que rondava a sua paróquia, padre Isidoro, resolveu convocar todos os fiéis para uma reunião extraordinária na igreja. Tentando descobrir o que poderia estar ocorrendo e explicar às senhoras religiosas, que não mais precisavam chegar tão cedo à igreja, pois ele ia pedir para as freiras do convento, aumentar a fabricação das hóstias e do vinho!
Mas as beatas afirmavam que ouviam os sinos tocando de madrugada e a cada dia mais cedo, imaginavam que era o padre que estava chamando a todos, para a missa, em horas inconvenientes. Teve uma que confirmou ter ouvido os sinos soando em plena três horas da madrugada, chamando os fiéis para rezar!
O padre, completamente transtornado, suspeitou que pudesse ter alguém escondido nos fundos da sacristia, querendo fazer uma brincadeira de mau gosto com todos. Assim, ele pediu ao coronel Camargo, que falasse com o xerife, para enviar alguns dos seus soldados para dar uma busca e tentar desvendar todo aquele mistério. Porém, nada fora encontrado e a situação foi ficando caótica por ali quando se espalhou a notícia de que a igreja do padre Isidoro era mal assombrada e que estava possuída por um espírito maligno!
Por fim, nem o próprio padre e nem o ermitão queriam mais dormir ou entrar na igreja.
E as missas, as confissões, as novenas, as quermesses, as procissões, os casamentos, os batizados, as coroações e até as missas de corpo presente, foram todos os rituais sagrados, canceladas sem previsão de quando voltariam a acontecer. Também, a limpeza da igreja. Pois nem as beatas queriam lá entrar com medo do que podiam ver!
E a vida dos moradores passou a se tornar monótona e sem graça, visto que o único movimento que se via por ali se resumia dentro e aos arredores da igreja. O coronel da cidadezinha, muito nervoso com aquela história que já estava repercutindo pelas redondezas e sendo motivos de críticas e deboches por parte dos religiosos de outras crenças e até mesmo pelos fiéis de outras comunidades, resolveu levar ao conhecimento do bispo que ordenou que enviassem um padre exorcista para resolver o problema!
Foram meses de muito suspense e desgosto naquela cidade, até que o padre exorcista chegou. Ele veio de longe, para por fim de vez naquela história estranha e mal explicada. Mas infelizmente, nada adiantou! Então, o coronel Camargo, decretou que viessem os pais de santo, o benzedeiro de todos os terreiros para resolver o problema e a guerra se instalou na cidade. Depois de meses de brigas, bate bocas, revoltas, manifestações de diversas formas, como gente fazendo jejuns e desmaiando na porta da igreja, carregando cruzes pelas ruelas da pacata cidadezinha, mulheres depositando flores e velas pelas escadarias da porta da pequena capela, crucifixos pregados por todos os lados, gente jogando sal e água benta aos arredores e beatas vestidas de preto em protesto; Enfim, o mistério foi desvendado!
Os fiéis, o padre, o ermitão, o coronel e o xerife juntamente com os seus seis soldados, da velha delegacia, não mais suportando aquela situação pavorosa em que se transformou a cidade; que antes pacata, agora se tornara uma das mais agitadas da região, decidiram tomar coragem e subir até o campanário para ver se tinha alguém escondido por lá. Visto que misteriosamente, o sino tocava estridentemente em plena duas horas da manhã!
E eis que descobriram uma família de macacos prego fazendo uma tremenda algazarra, se balançando nas cordas dos dois sinos, comendo as hóstias e bebendo do vinho da igreja. Colocando assim um ponto final naquela história fantasmagórica que mexeu com a cabeça de todos os moradores.
O único problema é que depois do ocorrido, padre Isidoro, não conseguia mais espantar aquela família ousada que sempre que ouvia os sinos da igreja tocando, vinha todos, correndo para a igreja!
A mãe, o pai e os três filhotes, assentavam-se no primeiro banco da capela, bem à frente na primeira fileira, assistiam a missa e na hora da comunhão, ficavam à espera do pão e do vinho que já estavam viciados a beber!
Conto reeditado em 24/09/2024
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