Valéria A Gurgel
Dona Maria da Piedade, era uma boa e virtuosa senhora, já na faixa dos seus setenta e oito anos de idade, viúva, mãe de três filhos, avó de oito netos, bisavó de dois. Vivia sozinha num barraco nos fundos do terreno que seu falecido marido, o seu Batista, havia comprado de meia com sua irmã e seu cunhado. Eles moravam na casa da frente e tinham três filhas e seis netos.
A neta mais nova deles vivia com eles. Ela tinha onze anos, se chamava Celeste, sobrinha neta de seu Batista. Ela era mesmo terrível.
Peralta e brincalhona, a menina adorava escutar dona Dade, sua tia avó emprestada, contar suas histórias dos seus santos de devoção. A sua santa predileta, era Santa Terezinha. Celeste possuía um hábito igualzinho o da santa, feito pela sua avó, para a coroação da imagem nas festas de sua escola, na qual era a padroeira!
Dona Dade, muito religiosa, foi carinhosamente apelidada pela jovem menina de papa hóstia, pois a beata não saía mesmo da igreja! Assistia três missas por dia! A das sete, a das nove e a das dezenove horas! E comungava todos os dias, indubitavelmente!
Acordava cedinho, todos os dias para limpar e enfeitar o altar da igreja da pacata cidadezinha onde vivia. E quando não conseguia rosas em seu jardim, saía de casa em casa pedindo flores para encher a jarra e levar para Nossa Senhora! Depois passava na casa do vigário, o padre Onório. Lá deixava para ele, o café coado e uma broa de fubá, sua especialidade e um bom pedaço de queijo minas. Também ajudava limpar a casa paroquial e a igreja todas as sextas feiras.
A pobre viúva lavava todas as batinas do padre Onório, até suas ceroulas, meias, pijamas, gorros e todos os forros da igreja! Sem cobrar nem um centavo. Ela dizia que tudo fazia com amor e por amor a Deus, a Jesus e a Sagrada Família.
Foi também consagrada, filha de Maria. Muito caridosa e prestativa, a boa velhinha vivia dizendo para a jovem Celeste, que seu maior sonho, era o de ver Nossa Senhora! Seria esse o dia mais feliz de sua vida!
Ela ensinava à menina a colocar uma flor no parapeito da parte de fora da janela de seu quarto à noite, por todos os dias do mês de maio. E para maior felicidade de dona Dade, maio também era o mês de seu aniversário. Segundo a igreja católica, esse é o mês dedicado à Nossa Senhora. Por isso, dona Dade acreditavam que a santa, passaria abençoando os lares todas as noites e ajudaria as jovens donzelas a encontrarem um bom marido, quando crescessem.
E foi mexendo nas gavetas do guarda-roupas de sua mãe, que Celeste encontrou sua velha roupa de Santa Terezinha, amassada, meio amarelada de ficar guardada e cheirando a mofo. Ainda dos tempos que coroava a santa em sua escola, quando tinha uns oito anos de idade.
Diante tamanha fé e devoção, a menina, pensando em agradar, preparou uma surpresa para a beata. Pensou:
- Vou realizar o sonho de Dona Dade! E assim o fez.
Separou a roupa, com o cuidado para não esquecer nenhuma peça, abriu-a debaixo da cama, para desamassar um pouco e sair o forte cheiro. Ninguém poderia ver aquela roupa, pois poderiam contar para a Dona Dade e aí perderia a graça do presente.
Imaginou que bem no finalzinho da tarde, seria o momento ideal para se ter uma boa visão celestial. E então, lá pelas seis e meia, ela se escondeu atrás da casa e vestiu a roupa de Santa Terezinha. Essa estava bastante curta, meio pega frango e um pouco apertada, afinal a garota já estava ficando mocinha!
Já começava a escurecer e um vento frio soprava balançando as folhas do pé de abacate provocando sombras ao redor do barracão, ofuscando a luminosidade do poste da outra rua que passava bem atrás do quintal.
Logo, veio dona Dade, para apanhar as roupas de Padre Onório que estavam sobre o imenso quarador. Esse, era bem antigo, feito por seu Batista, de tela de aço, espichado em umas ripas de madeira e fincado no fundo do terreiro de sua casa, bem lá atrás, próximo ao galinheiro. Ela, cantarolando uma conhecida música de seu repertório litúrgico:
- “Deixa cair oh! Santinha sobre nós, uma chuva de rosas....”
Foi apanhando peça por peça de roupas brancas e amontoando-as uma a uma sobre seus braços. Depois, foi caminhando lentamente, com muito cuidado para não tropeçar, sobre o cumprido e estreito passeio que contornava sua humilde casa. Ao chegar à esquina da entrada de sua cozinha, bem no canto da parede, onde havia um canteiro gramado e com flores plantadas, em pé, sobre um toco seco de pé de figo, lá estava Celeste, vestida de santa Terezinha. Mãos postas, com um terço dependurado e algumas flores de margarida e dálias amarelas presas junto a ele. Olhando para o céu, rosto angelical, serena e calma.
Dona Dade veio se aproximando e ao deparar-se com uma inusitada figura tão celestial, deu um berro e num pulo, jogou todas as peças de roupas para o alto e estatelou-se ao chão!
A menina completamente desconsertada ficou muito decepcionada ao ver a pobre senhora lá, caída ao chão, como morta. Logo, veio chegando seu pai, sua mãe e suas outras duas irmãs. Assustados, eles ainda estavam sem entender o que pudesse ter ocorrido. Todos buscavam um meio de fazer a idosa recobrar os sentidos, parecia ser inútil todas as tentativas.
O pai de Celeste, que era enfermeiro, esfregava álcool nos braços, nas mãos e nos pés de dona Dade, e pressionava levemente um lenço úmido e com umas gotinhas de álcool no nariz de sua irmã várias vezes seguidas para voltar a si.
Com muito custo, depois de quase uns dez minutos de tentativas em vão, ela enfim abriu os olhos e ao se deparar com a menina ainda vestida de santa, desmaiou novamente.
Foi quando os pais da jovem perceberam que ela estava com aquela roupa estapafúrdia e que poderia ter sido esse o motivo de tamanha confusão.
Por fim, as irmãs de Celeste já nem sabiam se acudiam a velha ou se riam da situação! O pai apanhou uma enorme vara de marmelo e ameaçou de dar uma surra na menina se ela não fosse logo tirar aquela roupa e explicar o que tinha realmente acontecido.
Celeste estava muito constrangida, pois não pensava em causar tantos problemas. Foi para o seu quarto, chorando muito, para trocar de roupa.
Quando voltara para saber notícias da senhora, e com um tremendo medo dela ter morrido por aquele susto ou pela grande emoção vivida, encontrou-a por sorte, sentada em uma cadeira, bebendo uns goles d’água e contando a todos que acontecera um milagre! Que ela tinha visto Santa Terezinha em cima do toco do pé de figo! Era mês de maio e com certeza ela tinha vindo abençoar a sua casa e lhe desejar feliz aniversário!
Ninguém teve coragem de contar a verdade para dona Dade. Pois acreditava fielmente que havia visto a Santa! Como de fato, ela viu!
E a partir desse dia, sempre no mesmo horário, o quintal da família fervia de gente rezando o terço e cantando em homenagem a Santa Terezinha.
- Ave… ave… ave Maria! Ave… ave… ave Maria! Todos se ajoelhavam em volta do toco do pé de figo aguardando uma nova aparição. Celeste, de vez em quando, olhava para a sua velha roupa de santa guardada no fundo do seu armário e tinha vontade de vesti-la novamente. Mas nunca mais ousou alimentar ainda mais a fé de Dona Dade. E até a jovem passou a acreditar que a santa pudesse mesmo um dia, aparecer de verdade.
Só esperava que neste dia, dona Dade estivesse mais preparada para receber o milagre e não desmaiasse como da outra vez! Para esse sim, ser o dia mais feliz de sua vida e não o dia mais trágico.